Wednesday, November 28, 2007

Que

No princípio,
Os sonhos,
Os cantos,
Os beijos,
As flores e as promessas.

Agora,
Pesadelos,
Silêncios,
Solidão,
E um relógio que não conta as horas.

Há somente versos kamikases,
Em busca da vida eterna.

Taís Morais

Monday, November 19, 2007

Alguns poemas de Vieira Calado:

POEMA ÀS PALAVRAS

Há sempre uma palavra dentro da palavra
um gesto por exemplo
ou o zumbir dum insecto a
levantar o vento morto

Traz uma mensagem fugidia uma essência
que luz ao ritmo do tumulto da claridade
só perceptível pelos reflexos da própria luz
transparente interior das coisas

A sua transcendência identifica o fogo
o perfil exterior e seus artifícios intemporais

E apenas se lê em sinais indicativos
de virtuosos alquimistas procurando o oiro
na flecha no círculo dum arco íris caindo
magnânimo sobre o cinzento da terra

***

POEMA AO PÓ

A redescoberta que é ver o pó, cheirar o pó,
cheirar a pó. É um rumor inerte, um retrato
tangível de outras memórias perfurantes,
um vazio entre azuis e baços no chão da terra
gritando segredos abatidos ao silêncio ileso.

Praticar a ciência do pó é viajar pelos gelos
da montanha, um texto insondável de signos
sobre a água, reminiscência doutras águas
de apenas a cognição nua, virgem, das fontes

é desvendar a erosão, o murmúrio de colunas
gregas, efémeras, a inocente exaltação das aves
assim que o sol reacende a festa inadiável

e contemplar uma indústria sem nome e sem data,
sem prólogo, divina, puríssima, demoníaca.

***

POEMA À MIRAGEM

Este dia é apenas uma miragem
restos de sombras, sombra.

Dos seus beirais caiem fugidias ruas
em estilhaços sobre o lancil da luz,
pedaços de memórias, ruínas
de palavras nunca ditas.

Tudo é silêncio e névoa
nas grandes viagens transcendentais
ao coração matinal dos pássaros, à núbil
ciência abstracta dos insectos.

Imagem que se desfaz em imagens
de pólen, circunscrito a um lugar
cada vez mais longínquo

que se ateia e logo morre
em nossas mãos.

***

O EDIFÍCIO DAS PALAVRAS

O edifício das palavras,
o projecto inerente à ideia
e aos degraus da leitura,

o processo linear dos sons
e dos afectos

um pouco de embriaguês
para questionar as sombras e a luz

eis a explosão programada

o poema

a desobediência aos mistérios
no desassossego e na emoção
de dizer o indizível

à luz do dia.

***

QUANDO ME AUSENTAR

Quando me ausentar direi os nomes
de todas as essências, as cores inscritas
ao longo da estrada imóvel. Indulgente,
irei desenhando as formas do repouso,
o ouro e a prata do pôr do sol morrendo
sobre as árvores da montanha alta,
um redemoinho de pura água refazendo
em água o limbo deslizante do rio.

E gritarei a minha infinita gratidão
pela geometria das distâncias vãs
que alentaram o meu sangue para o vazio
que enche de ar, o ar que respiramos.

Vieira Calado é poeta português autor (entre outros) dos livros de poesias: 37 poemas - Os Sinais da Terra - Poema para Hoje - Objecto Experimental - A Palavra em Duas - O Frio dos Dias - Como um Relógio de Areia - Poemas Primeiros (reedição) - Transparências - Lagos Ontem (2ª edição) - Por detrás das Palavras - Terrachã - Poemetos - Poemas Soltos & Dispersos.

Sunday, November 18, 2007

3 poemas da Ana Maria Costa:

Prenúncio

novembro trouxe sombras
de inverno.
acácias insistem,
traços amarelos
claridades sufocadas
entre folhagens de nimbos,
nenhum resto de azul
vem resgatar a tarde

***

Dias iguais

mansidão de rês
rebanhos
transpassando mansamente
a vastidão do dia
sempre o mesmo chegar
as mesmas marcas no chão
sempre a mesma direção
e o monótono refrão
tange
tange...
o rebanho
manso
a ruminar horizontes

***

Crepúsculo

hora derradeira
cometa suicida
coral vivo
quedo-me
no horizonte
limiar da noite
brotam, brotam
precipícios
que alcanço
entranhas negras
a me devorar
a luz

Ana Maria Costa é poeta e autora do livro "Dança das Cores", publicado em 2007.

Tuesday, November 13, 2007

Alguns poemas de Bruno Candéas:

FARELO

o poema
tem que ser
sequinho

MAGRO

se possivel
nordestino

desnutrido
e valente

deve ser
raquitico
definido

COUREOSSO

***

CORROSÃO

A fome dos novos
bandidos poetas
nem sempre alertas
ao tempo q vai.

Os prédios destroços
monumentos d'outrora
na rua da Aurora
ou boca do cais.

Guris mergulhando
no límpido rio
só pra quem viu
não existe mais.

***

(sem título I)

O estilo
traz malícia
e almalícita

vem co'as
verdades
q ardem
e violam

co'as
mentiras
q atiram
e matam

com a
peçonha
das noites
q não
se sonha

respingos
d tudo
q deixamos
mudo

***

(sem título II)

o ser
substância

se mistura
com a terra

se une ao
cromossomo

se adequa
aos desníveis

nos burla
nos empurra

nos penetra
prolifera

danifica
o q somos

soma-se
aos desgostos

nos habita
nos limita

Bruno Candéas nasceu em Campina Grande/PB.
Residiu em Belém/PA, Taguatinga/DF e Rio de janeiro/RJ e atualmente vive em Recife/PE.
É autor dos livros: "Poeta nu na alcova" (2002), "Filé 1,99" (2003),
"A Trégua dos ditadores" (2004), "Férias do gueto" (2005) e " Indigestual" (2007).
Integrou as antologias "Painel brasileiro de novos talentos/RJ",
"Livro de ouro da poesia brasileira /RJ", "Palavras que falam/SP", "Best seller 2006/SP", "Antologia del'secchi/RJ", "Margens do Atlântico/PR", "Marginal Recife III/PE",
"Antologia Komedi/SP", "Antologia de poetas brasileiros contemporâneos/RJ",
"Uma história no seu tempo/SP", "Letras Contemporâneas/RS" e outras.
Colaborou com um centena de fanzines, revistas, jornais e sites, no Brasil e no exterior.
Leia mais em:
Inter Poética
Alma de Poeta

Monday, November 05, 2007

Preciso

porque é preciso arrancar
estrelas do mar
mais profundo
e enfeitar com elas
o teto do quanto
ainda se tem
de alma
de canto
de amor

Célia Lima

Sunday, November 04, 2007

Lascaux
1986

no cinema de Lascaux
(imagem sobre imagem)
cortes:
séculos de Klee

recortes de cores
nos desenhos do Kane
na voz bellae
(Billie & Ella)
nas suas pernas cruzadas
em frente à tv

mágico quase acaso
colorindo
(como que sem querer)
a caverna escura
em que a gente se vê

Frederico Barbosa
catacredos

não tenho ser nem honra
nem fé nem lei
a faca do crime
que não sei
nenhuma idéia
ou meia na mala
e enquanto tarda
azia das horas
a dor que sinto
não estala
a morte que vivo
vai embora
escrava cardíaca
réu do desejo
para o decurso
das coisas tolas
não há nada além
do que vejo
feixe de nervos
nau sem mar sem proa
sou muitas mentiras
uma só pessoa

Erly Welton Ricci