Monday, October 30, 2006

Ecos do silêncio

solos de guitarra flamenca
morrem no ar
sementes regadas a rum
germinam no solo

do lado de cá do espelho
a bela adormecida
embebeda-se de sonhos
e dedilha alucinadamente
o fio da navalha

Euza Noronha

http://corpusetanima.blogspot.com/
...

Sunday, October 29, 2006

Incapacidade

Só amasso as palavras nos dentes,
sinto-lhes os cristais,
dilacerados,
que não consigo engolir
e as devolvo ao vento,
são secas,
sem minha substância,
sem minha saliva,
esqueletos de ossos frágeis,
não lhes doei meu sangue,
filigranas que são
do vero ouro
que deve haver nos veios,
nos ocos,
onde não ouso escavar.

Dora Vilela

http://pretensoscoloquios.zip.net/
...

Friday, October 27, 2006

Cata-vento

Um pescador
de vento
espera pacientemente...

sentado
na beira
do tempo

Harley Meireles

http://www.meireleseditorial.com.br
...

Wednesday, October 25, 2006

Tarde

É tarde demais
O filho do homem
Incendiou
A lira

É tarde demais
Tânagras sangram
Vexando
Em Vênus

É tarde demais
Quatuórviro qual
Pústula
Na vida

É tarde demais
Pouqüidade podre
Modorra
Nos resta

É tarde demais
A mofa ainda goga
O ícone
Do tolo

É tarde demais
Os deuses estiarão
Voltando
Pra casa

É tarde damais
O mar ignorado
Agiganta
Deserto

É tarde demais
Labaredas de sal
Derretem
O gelo

É tarde demais
O cão ladra, late
O cãozinho
Cainha

É tarde demais
O homem novo
Semelhante
Ao pai

Erly Welton Ricci

http://erlywelton.blog.uol.com.br/index.html
...

Monday, October 23, 2006

OPHIDIA

Pois sim, e poesia é como agulha:
elí­ptico metal que se perde fácil -
melhor buscar outro do que chafurdar no palheiro.
Sim, poesia é como agulha:
pequeno ninho de cobra dormindo no tapete da sala.

Rafael Nolli

http://nolli.zip.net/index.html
...

Saturday, October 14, 2006

súplica

tenho dois olhos
[mudos]
que se recusam
a ver o óbvio

uma boca
[cega]
que se nega
a dizer adeus

um coração
que pensa
uma cabeça
que pulsa

e estas mãos
[descalças]
ajoelhadas
a teus pés

Valéria Tarelho

http://valeriatarelho.blogspot.com/
...

Friday, October 13, 2006

pouco a pouco...

pouco
a
pouco

o sono some e o corpo fica louco

pouco
a
pouco

o anjo dorme o tempo pede troco

pouco
a
pouco

deus fica surdo e a gente rouco

pouco
a
pouco

o medo assalta o sonho salta e corre solto

pouco
a
pouco

a luz se apaga e vem o soco

pouco
a
pouco

tudo se perde e a gente se prende por tão

pouco.

arrudA

http://www.saudadedopapel.zip.net/
...

Thursday, October 12, 2006

Desfaz-te...

desfaz-te
ilusão suspensa entre a brancura das nuvens
e o peso esquecido das folhas de papel
entulhadas na gaveta da escrivaninha
desse quarto
onde passas horas
e horas
e horas
rabiscando frágeis poesias
perdido da infância
abraçado à saudade
que perfura os ossos
que corrói a certeza
TORNIQUETE
apertando-te o coração e as palavras
esparsas imagens diante do rosto
envelhecido
cansado
medroso
desse homem
fazedor de invisíveis mundos
onde só um pode habitar

Douglas D

http://amoresfunebres.blogspot.com/
...

Wednesday, October 11, 2006

Azar

Falava de ascendente
meio do céu
gnomos
tarô
& tao.

Não era vidente
foi assaltado no sinal.

Ricardo Mainieri

http://mainieri.blogspot.com/
...
Pedras

Não importa quantas pedras
se coloquem sobre o passado:
elas não esmigalham a memória.
Quando era criança
o pai enterrou bem fundo
a morte do meu primeiro cão.
Coloquei sobre o monturo
de terra uma pedra
branca e uma flor.
- Chora, minha filha, chora.
Só as lesmas se derretem
com o sal.

Cecilia Cassal

http://ceciliacassal.blogspot.com/
...

Monday, October 09, 2006

Quem?

Quem seria o meu destino,
Se num instante de desvario,
Mudasse o curso desse rio?

Quem faria o meu papel,
Se eu me tornasse incontestável,
Como a tempestade no céu?

Quem tocaria meus sentimentos,
Se abalados por contentos,
Recriassem os movimentos?

Quem melhor sobreviveria,
Se só houvesse calmaria,
No encontro com a alegria?

Quem?

Nanna

http://enfimtudodenovo.blogspot.com/
...

Sunday, October 08, 2006

Se o poeta falar...

do silêncio
do vento
daqueles tempos
em que as janelas
estendiam seus abraços

se o poeta falar
da vida
da morte
quem se importa

Harley Meireles

http://www.meireleseditorial.com.br/
...

Saturday, October 07, 2006

tem os que passam...

tem os que passam
e tudo se passa
com passos já passados

tem os que partem
da pedra ao vidro
deixam tudo partido

e tem, ainda bem,
os que deixam
a vaga impressão
de ter ficado.

Alice Ruiz

http://www.aliceruiz.mpbnet.com.br/
...

Friday, October 06, 2006

Culpa

Meus passeios
poluem o mundo.

Para ler,
gasto a luz de cidades inundadas.

A geladeira
esburaca a camada de ozônio.

Banhos longos
desertificam o planeta.

Para comer, beber, viver
gasto dinheiro (que nem ganhei).

Meus poemas
derrubam árvores.

Fabio Rocha

http://www.fabiorocha.com.br
...

Thursday, October 05, 2006

Eu tenho uma estrela pintada...

Eu tenho uma estrela pintada na palma da mão direita.
Não sei de onde ela surgiu.
Tenho do lado direito do nariz um pequeno sinal.
Um símbolo, um brilhante.
Posto por mim.
Tenho na perna direita, uma rosa.
Cultivada, amada.
Como amo a todas as rosas.
No coração tenho duas pétalas. Uma rosa, uma branca.
Ambas perfumam minha casa e minha vida.
No coração tenho uma dor.
Incessante.
Toca-me fundo a cicatriz.
Da vida, do tombo, da cabeçada na parede.
Os erros gramaticais.
Aliterações e metáforas.
Hipérboles da minha língua.
Da minha vida, da teimosia.
Traduções da minha babilônia concentrada.
Dentro do meu próprio interior cheio de lagos e monstros.
Protegido apenas por uma rosa de duas pétalas.
Pétalas que no frio me aquecem, me protegem.
Debaixo das minhas asas doiradas as impeço de ficar roxas.
De ficar pálidas e elas sobrevivem.
Por mim, para mim.
E hoje o quadro esquálido e impotente pendurado na parede mofada e destruída se aviva ao vislumbrar a flor.
A flor da perna direita.
As duas pétalas sólidas.
Os dois alicerces que seguram a minha torre de Babel incendiada.

Nefertari

http://www.casadecontos.blogger.com.br
...

Wednesday, October 04, 2006

Aviso

Mantenha-se longe de mim.
De meu rosto, meus olhos e cabelos,
de todos os meus destemperos.
Fuja para mais além.
Sou cortante, áspera, desregulada,
insidiosa como as ervas do jardim.
Afaste-se, encubra o seu sorriso,
dê-me as costas antes do final.
Posso arranhar o verniz que o reveste,
manchar de vermelho seus instantes sem cor.
E arrastá-lo, quase morto, por meus abismos particulares
onde somente florescem
palavras.

Zingarah

http://lazingarah.blog.uol.com.br//index.html
...

Tuesday, October 03, 2006

Dois Olhos Arregalados

I

Estou ficando seco.
E frio.
Como o vento, velho tormento,
Estou chegando ao raso, quase vazio.
Meus sentimentos vão como uma cascata de dominó.
Que fazer se já derrubaram a primeira casa?
Minhas ilusões eram como balões de gás na mão de uma criança.
Voaram.
'Prum' céu azul e nublado, até o infinito dos meus olhos.

II

Azedo, busco cerveja e café.
Amargos.
Há marcas difíceis de apagar.
E ao mesmo tempo difíceis de se ver.
Os subterfúgios me dão sobrevida.
E estranham meu gosto gasto.
Até que mesmo o tempo acalma, demonstra, delonga.
O inverno se faz ano.
E só às manhãs lhes cabe outono.
Estou parando em duas estações.
E do trem só se vê fumaça.

Leandro Jardim

http://florespragasesementes.blogspot.com/
...

Sunday, October 01, 2006

_cuidado com expostas pontas_

na
ponta
de todo
alfinete
equilibra-se
o
ai
de
uma
dor
futura.

Diovvani Mendonça

http://www.diovmendonca.blogspot.com/
...